Há mais de 35 anos que, durante a época da ordenha, entre setembro e junho, Maria dos Anjos Gomes faz queijo diariamente, duas vezes por dia. O seu queijo de ovelha não é certificado Queijo da Serra da Estrela, por opção pessoal.
Rua da Cruz
3405-620 Vila Franca da Beira
Como chegar
+351 238 641 398
+351 963 535 226
Instagram / @quintadagaze
Apresentado por Inês Matos Andrade
Texto de Inês Matos Andrade
Fotografias de Joana Freitas
“A minha sogra era conhecida pela arte de fazer queijo”, explica Maria dos Anjos, enquanto retira os panos brancos de algodão do estendal. Enverga a farda imaculadamente branca e calça as croques alvares para entrar numa pequena sala de fabrico construída há 30 anos. “Antigamente fazia queijo na cozinha, e deixava os queijos a descansar nos armários”.
São dez da manhã, mas na Quinta da Gazé, em Vila Franca da Beira, a cinco minutos de Oliveira do Hospital, o labor já começou antes do sol nascer, com a ordenha das mais de 70 ovelhas, “a maioria é da raça Bordaleira da Serra da Estrela, mas tenho algumas Churras Mondegueiras”, explica, “mas só faço queijo com leite próprio. Há muita queijaria a comprar leite de ovelhas mochas, até a Espanha, e, mesmo assim, têm a certificação. O meu queijo é certificado por mim e pela minha ética”.
Leva uma manhã a fazer cerca de seis queijos, a partir de 18 a 25 litros de leite, dependendo do mês. Em setembro, as ovelhas produzem mais leite, mas aproximando-se do verão, a quantidade diminui. Durante o estio, as fêmeas ficam prenhas e descansam até agosto. Em setembro, recomeça o ciclo.
Ao entrar no anexo, confunde-se o cheiro da cura primeva com a tepidez da lareira já acesa. Maria dos Anjos tira alguns cepos da pilha de lenha à entrada da casa para alimentar o fogo, e desembrulha com cuidado o cobertor de lã que envolve a leiteira, onde o leite ordenhado nessa madrugada já está a coalhar há 40 minutos. “Aqui há alguns cardeiros, mas não chegam. Compro este cardo alentejano ao Rogério, na feira. Meto no forno e depois moo no moinho de café, para estar sempre rijo, senão fica empapado”. Para cada litro de leite, Maria dos Anjos coloca uma colher de sal das salinas da Figueira da Foz. Enquanto espera que o coalho esteja no ponto, apara as bordas dos queijos do dia anterior, que ficaram a descansar na bancada, comprimidos sob pedras de granito.
Após passar o leite coalhado pelos panos de algodão, Maria dos Anjos posiciona-se sobre a francela, onde começa a dividir o coalho pelos moldes, apertando um a um num movimento delicado e coreografado, acompanhado pelo som do soro a pingar no alguidar.
Por esta altura, Mariana, a filha mais nova, aparece para ajudar. Ao soro junta-se água, e aquece-se no bico do gás, até surgirem pequenas nuvens de coalho que formam o requeijão fresco (2€/unidade). O último líquido proveniente da cocção, o sorelho, “damos às ovelhas, mas há muita gente que gosta de fazer tigelada”.
Da sala de fabrico até ao queijo final, leva 35 dias, três salas de cura, e três a quatro lavagens. Na primeira sala, o queijo solta a reima, uma goma da fermentação “que expulsa aquilo que não lhe pertence”. Quando começam a minguar, Maria dos Anjos coloca-lhes a cinta de algodão, que ajuda a dar forma, e ao fim das várias salas de cura, regressam para perto da lareira para “enscascar”. “O queijo adora quentinho, gosta da madeira, e de estar bem aconchegado. Quando construímos este anexo, o meu queijo ficava mortiço, porque as paredes ainda não tinham absorvido, precisavam de enfrascar a fermentação”, recorda. Em dias de vento seco, Maria dos Anjos move-os das salas para perto do fogão, para absorverem os vapores da fervura do requeijão”. São detalhes como este, fruto de décadas de relação íntima com o queijo, que tornam este produto único.
Vende apenas a particulares e vizinhos, porque a produção é diminuta – apenas 12 queijos diários –, mas também porque não se identifica com os valores da maioria dos vendedores de queijo nas feiras periféricas. O seu queijo é cremoso, mas não amanteigado, o cheiro é subtil, e cada um pesa mais de 800 gramas (19€/quilo), graças ao alto rácio de gordura que o leite das suas ovelhas garante.
Perto do meio-dia, Maria dos Anjos lava novamente cada pano de algodão com água, uma escova e uma faca, e coloca-os ao sol, para retomar o mesmo processo após a ordenha noturna. O processo de produção deste queijo artesanal exige dedicação: “não podemos descansar, não temos fins de semana, nem férias. É um trabalho muito duro”.