Alentejo

Do imenso mar da costa de Portugal, os promontórios altivos elevam-se até à planície cravejada de verde dos montados entrecortados pelos tons dourados da terra. Estamos para além do Tejo, região com mais de 26 mil quilómetros quadrados, dividida entre Alto e Baixo Alentejo e que tem o maior rio que atravessa o país como fronteira, a Norte, e o Algarve, ainda mais a Sul. Além do Tejo, é de nomear a importância do Sado, na Península de Setúbal, e do Guadiana, que vagueia na parte Este do distrito de Beja, entra quase no limite do distrito de Évora e delimita a fronteira com a vizinha Espanha.

A paisagem levemente ondulada surge por esse Alentejo afora, de relevos no interior raiano do distrito de Évora e mais acentuado no distrito de Portalegre, com afloramentos graníticos a complementarem o traço descrito pela natureza. O cenário natural converte-se ora no património edificado, repleto de casarios alvos, de outrora, da nossa História, ora no itinerário que nos leva ao enorme lago do Alentejo, Alqueva de seu nome, situado na fronteira entre os distritos de Évora, a Norte, e Beja, a Sul, reservatório de um dos mais elementares recursos dos habitantes da região, a água.  

Dos habitantes da região contam-se os gestos lestos repetidos por gerações infinitas. Mexe-se na terra, na nossa terra, fonte de alimento do ser humano, base da flora que nos dá alimento e sombra. Nas mãos leva-se a sabedoria para bem tratar os animais, fonte de sustento. Mexe-se na matéria que dá corpo ao que comemos. De um Alentejo agarrado às suas raízes, objecto de um valioso legado gastronómico aliado à tradição preservado por pessoas. 

Alentejo adentro, eis Dona Octávia, rosto da Salsicharia Canense, em Sousel, é a guardiã dos afazeres de antigamente no que diz respeito à feitura de enchidos, entre outros produtos, cem por cento portugueses. Os mesmos costumes estão alinhados com a prática diária da SEL – Salsicharia Estremocense, em Estremoz, negócio familiar representado por Mário Arvana e cuja matéria-prima tem no porco alentejano a origem dos seus produtos. É disso exemplo o trabalho que tem vindo a ser feito por Francisco Alves, responsável pela Porcus Natura, sediada na Herdade de S. Luís, em Montemor-o-Novo, empresa centrada na criação de porco alentejano em pleno montado, cenário principal do Alentejo.

Patos, galinhas, fracas, perus, faisões, cabras, coelhos, porcos, éguas integram o elenco da BioAlentejanices, em Sousel, de João Honório e Ruth Mendes, produtores de hortícolas, fruta e ervas aromáticas cultivados em comunhão com terra e em profundo respeito pelo ciclo de cada alimento. 

Nuno Serra vai mais longe. Na Herdade do Val das Dúvidas, propriedade situada entre Portel e a Vidigueira, o calendário biodinâmico é prática transversal. As cerca de duas centenas de árvores de fruto, o olival, o montado, e a criação de gado bovino estão em absoluto respeito pela natureza. O alinhamento com o mundo exterior ao Homem permanece em ato contínuo na Quinta Anema, em Courela da Ponte-Velha, no concelho de Montemor-o-Novo, onde Jan e Elisabeth Anema produzem queijo Gouda a partir do leite extraído das suas vacas alimentadas sem pressas. O mesmo vagar é intrínseco à apicultura praticada por Francisco Cortes, rosto da Apicortes, negócio familiar com seis décadas dedicadas à produção de mel e cera de abelha, no concelho de Odemira, sendo o trabalho de campo uma constante. A realidade é extensível à Herdade do Freixo do Meio, em Foros de Vale Figueira, Montemor-o-Novo, onde a agrofloresta de Alfredo Sendim se baseia na regeneração das espécies, no sentido de implementar árvores mais resistentes, e simultaneamente na sucessão económica aliada à colheita de matéria-prima, de produto, para o ser humano. E eis que o montado entra novamente em cena, além de outras áreas reservadas, também, aos animais, que necessitam de comida e, ao mesmo tempo,  fertilizam a terra, a mesma terra que nos dá alimento.