Estremadura e Ribatejo
Mar. Vento. Rio. Serra.
Raia costeira feita de escarpas, areais ora extensos, ora diminutos, de ondas faladas pelo mundo inteiro e de portos de pesca banhados pelo Atlântico que delimita a fronteira entre o mar e a terra.
Terra do vento, fenómeno divino para moinhos e vinhedos da Região Oeste e da Península de Setúbal, e de rio, o Tejo, onde o Mar da Palha e o concelho de Santarém traçam o limite Este da região.
Território serrano elevado pela Serra de Montejunto, ao centro, pelas Serras de Aire e Candeeiros, a Sudeste do distrito de Leiria, e pelo Parque Natural da Arrábida, emergente entre Sesimbra e Setúbal, a Sul.
Mar de gente, terra de costumes, a Região do Oeste é o ponto de partida deste roteiro e objecto de uma lição de vida graças à herança deixada pelos monges de Cister, comunidade religiosa radicada, no século XII, em Alcobaça. Matriz da lavoura, este território localizado entre o mar e as serras de Montejunto e de Aire e Candeeiros, com os seus Vales Suspensos avistados da aldeia de Cadoiço, na freguesia de Aljubarrota, confere o seu reinado às imensas variedades de maçãs colhidas nos pomares, à cultura da vinha e do vinho, e ao incomensurável legado de licores e doces conventuais do Mosteiro de Alcobaça e do Mosteiro de Santa Maria de Coz, em Coz, dupla de tesouros arquitectónicos a redescobrir. Acresce o Porco Malhado de Alcobaça, raça autóctone recentemente recuperada, matéria-prima de enchidos – e não só –, com destaque para a morcela de arroz, típica no distrito de Leiria e, por outro lado, a indústria vidreira, em Casal da Areia, por exemplo, e da cutelaria, espalhada pelo concelho.
Aproveitemos a onda – metáfora à parte no que ao fenómeno provocado pelo canhão da vizinha Nazaré diz respeito – para dar seguimento ao roteiro gastronómico até porque, mais abaixo, encontramos Alfeizerão, terra homónima do pão-de-ló.
Pegue-se nos copos e no talher, e ponha-se a mesa! Seleccione-se as faianças criadas pelo traço inigualável de Rafael Bordallo Pinheiro e com o apoio de ceramistas de topo, nas Caldas da Rainha, concelho onde foi fundado, no século XV, o Hospital Termal Rainha D. Leonor, o mais antigo do mundo, e onde vai encontrar o frondosamente romântico Parque Dom Carlos.
Com o vagar precioso dos mais prudentes, é de seguir até Peniche, sede de concelho repleto de praias muito afamadas entre os amantes dos desportos náuticos. Cidade piscatória, Peniche tem no peixe e no marisco a tão procurada diversidade e base elementar da caldeirada típica de pescadores-cozinheiros. É disso exemplo Tiago Fonseca. Trocou a roupa e as pranchas de surf para domar as ondas, noite adentro e com o enigmático arquipélago das Berlengas como cenário de fundo, a bordo da embarcação onde procede à captura do que o mar oferece, para fornecer peixe e marisco frescos a espaços de restauração que apostam em produto de qualidade. Já Luísa Marques vende peixe seco, no Mercado Municipal de Peniche. Os truques e a técnica foram aprendidos com a avó, quando ainda era menina.
Porque caldeirada e demais receitas com peixe “rimam” com batata, o melhor é programar uma paragem em Sobral, na Lourinhã. Raul Reis, que nas suas viagens somou conhecimento às experiências gastronómicas, trocou o Luxemburgo pela terra da sua família, onde decidiu semear batata Ratte, abóbora Longa de Napoles e vinha. A batata Asterix e o trigo barbela vieram depois. Abasteça-se de aguardente D.O. Lourinhã, nesta que é a única região demarcada exclusiva de aguardente vínica no país, e siga viagem.
Passe pelos concelhos do Bombarral e do Cadaval, terras abundantes de pêra Rocha, sendo a última o destino de uma paragem mais demorada. Afinal, o tempo é novamente precioso para a visita a João Viera, o guardião do trigo barbela, outrora caído no esquecimento, e grande impulsionador da recuperação desta matéria-prima que quer ver recuperada. Ademais, é de incluir a ida ao cimo da Serra de Montejunto – barreira natural de protecção do Este, deste grande Oeste, dos ventos e da humidade marítimos –, para conhecer a secular Capela de Nossa Senhora das Neves e, mais abaixo, a centenária Real Fábrica do Gelo, dois monumentos imperdíveis.
Agora, com mais fôlego, a estrada é calcorreada em direcção ao concelho de Torres Vedras. A visita faz-se ao Hortelão do Oeste, empresa de Miguel Neiva Correia, o homem que deixou a cozinha para pôr as mãos na terra. Discípulo de João Vieira, tem o trigo barbela outro dos produtos em destaque na sua lista colorida pelos tons vários de hortícolas e legumes nesta terra do vento e da vitivinicultura, e onde o histórico episódio das Linhas de Torres da nossa história é dado a conhecer com mérito no centro de interpretação instalado no cimeiro Forte de São Vicente.
Quase em linha recta está Alenquer, concelho focado na cultura vitivinícola. O objectivo é conhecer Paulino Horta e as sua farinhas tradicional, saloia e biológica feitas a partir de cereais moídos em máquinas modernas equipadas com mós de pedra, em Cabeços. Aproveite para visitar o Convento de São Francisco e o edifício da Câmara Municipal, datado do século XIX e réplica do edifício “congénere” da cidade de Lisboa.
Rumo ao concelho de Mafra, é de conhecer a Quinta do Arneiro, onde os hortícolas, a fruta e a farinha são produzidos em modo biológico, colhidos na estação certa do ano e fornecidos em cabazes. Embalado pela natureza, é de convir a visita à Tapada Nacional de Mafra, lugar encantado, e ao majestoso Palácio Nacional de Mafra ladeado pelo Jardim do Cerco.
Estrada costeira afora, é de acompanhar a beleza da enigmática Serra de Sintra, berço do Palácio Nacional da Penha, do Palácio de Monserrate, do Castelo dos Mouros, do Convento dos Capuchos e que tem o Palácio Nacional de Sintra, com as suas emblemáticas chaminés, a seus pés. Sem pôr de lado a oportunidade de compreender melhor o vinho de Colares, ali produzido com as castas Ramisco e Malvasia.
Cascais, vila piscatória e de palacetes à beira-mar, convida a um passeio sereno, pelas suas praias até ao concelho vizinho, Oeiras, onde o Vinho de Carcavelos é produzido. Fala-se da Adega Casal da Manteiga, contígua à vinha com vista para o mar e morada de variedades de uva há tão poucos anos quase extintas, instalada dentro do perímetro da propriedade outrora pertencente a Sebastião José de Carvalho e Melo, com o seu Palácio do Marquês de Pombal, a adega secular, os jardins oitocentistas e o lagar mais abaixo.
Finalmente, Lisboa, para uma pausa na Queijaria Cheese Shop, de Pedro Cardoso, para melhor saber sobre queijos de dentro e fora de portas ou não fosse o anfitrião deste estabelecimento um exímio conhecedor de tão sensível produto. Dê um salto a Odivelas, para levar a marmelada branca, receita do Mosteiro de Odivelas, e por Bucelas, a única região portuguesa demarcada para vinhos brancos feitos a partir das castas Arinto, Sercial e Rabo-de-Ovelha, para harmonizar com os queijos e, depois, seguir viagem até à Azambuja, para mais uma conversa de pé de orelha. Desta vez, com Adolfo Henriques, na Maçussa onde, desde a década de 1980, produz queijo chèvre.
De lado de lá da margem do Rio Tejo, na Península de Setúbal, está João Pinóia pronto para falar sobre a Maçã Riscadinha de Palmela de cujo pomar contabiliza cerca de seis centenas de macieiras.
Há mais queijo para provar na Simões Queijaria Artesanal, na Quinta do Anjo, de Rui Simões, homem dedicado à produção de queijo de Azeitão. Eis o pretexto para parar nesta freguesia do município de Setúbal e visitar a Quinta do Poial, de Joana Macedo e criada de raiz pela mãe, Maria José Macedo, que implementou a produção em modo biológica de fruta, legumes e hortícolas, e terminar o roteiro pelo início do repasto, isto é, com ostras extraídas dos viveiros de Célia Rodrigues, que se debateu pela recuperação da espécie portuguesa crassoteria angulata criadas em aquacultura integrada, ou seja, nas águas do Estuário do Sado e sob a égide de Neptune Pearl.