Ocean Alive
Raquel Gaspar: a mulher que está a regenerar o Sado, com ciência, coragem e comunidades.
Fotografias de Arlindo Camacho
Desde cedo que Raquel Gaspar sabia que a sua vida teria de passar pelo mar. Quis ser bióloga marinha para estudar os golfinhos. “Era o meu sonho”, diz-nos, de olhos postos na água. “Passei 20 anos da minha vida aqui no estuário do Sado a acompanhar a população residente de roazes. Como investigadora, queria saber como poderíamos salvar esta população tão pequena, que envelhecia e estava em declínio”, recorda.
A resposta não estava longe e acabou por ser transformadora. Para Raquel, primeiro, e hoje para todos, graças à acção da Ocean Alive, organização que fundou em 2015 para proteger o ecossistema que conhece tão bem. “Percebi que, para salvar os golfinhos, tinha de salvar as pradarias marinhas. O seu alimento, a sua sobrevivência e a sua reprodução dependiam deste habitat”, conta, explicando como estas florestas submersas e cheias de vida estão também ameaçadas e em risco de extinção.
As pradarias marinhas são, como Raquel descreve, “florestas no mar”. Formadas por plantas submersas que, tal como as árvores em terra, providenciam abrigo, alimento e locais de reprodução para inúmeras espécies. São nelas que os chocos depositam os ovos, que os cavalos-marinhos se agarram às folhas, que as enguias se escondem, que robalos e douradas crescem e que os caranguejos encontram alimento, exemplifica. “Tudo isto se passa nas pradarias, é um bailado”, descreve, romanticamente. “As pradarias bailam com a maré e com as correntes. São produtoras de oxigénio e, quando a maré está calma, a água borbulha… É como estar dentro de uma garrafa de champanhe.”
Em dez anos, muito tem sido o trabalho de recuperação feito – de dentro para fora de água, mas também de fora para dentro. Raquel Gaspar não acredita em divisões: vê o sistema como um todo, e também ela é parte dele. Foi assim que chegou às comunidades piscatórias, de onde não mais saiu. Por duas razões, sobretudo: pelo conhecimento que têm e pelos hábitos que devem mudar. “Até há pouco tempo, um dos grandes problemas era a falta de conhecimento. Muito poucas pessoas sabiam o que era este habitat e a sua importância”, lamenta. “O estuário do Sado é o segundo maior sistema português com mais pradarias”, reforça, lembrando que “as ameaças directas são actividades humanas”, como a navegação e as âncoras, as dragagens que turvam a água e retiram luz às plantas, as técnicas destrutivas de pesca e o lixo deixado para trás.
Hoje há sinais visíveis de mudança. “Toneladas de lixo saíram pelas mãos de milhares de voluntários”, celebra. E, talvez mais importante, há hábitos que se transformaram. Entre as Guardiãs do Mar – pescadoras e mariscadoras que ajudam a proteger e monitorizar as pradarias – nasceu uma nova consciência, contagiante a toda a comunidade. De GPS na mão, mapeiam a recuperação e testemunham o renascimento das pradarias. “Um dos maiores segredos do nosso projecto são realmente as Guardiãs do Mar”, diz Raquel. “É um projecto com uma componente ambiental e humana muito forte. É através destas mulheres que conseguimos conquistar, por exemplo, os decisores.”
O exemplo já inspirou outras comunidades piscatórias: mulheres da Ria de Aveiro e da Ilha da Culatra começaram também a organizar-se, e até na Galiza há mariscadoras a querer seguir o modelo português.
Mas há muito ainda por fazer, a começar por valorizar as espécies que abundam nestas águas e que raramente chegam ao prato: o charroco, a corvinata, a salema, o budião. “São peixes que quase não têm valor na primeira venda. Ou seja, um pescador vai à lota e não tem rendimento para aquilo que trouxe”, justifica Raquel, apelando a chefs e cozinheiros.
Fora de água, o desafio é outro. “O calcanhar de Aquiles da Ocean Alive é ser pequena e ter uma grande ambição de impacto”, reconhece. A organização precisa de mais recursos humanos e técnicos, desde apoio jurídico a contabilidade e comunicação, e de financiamento que permita consolidar a equipa e dar continuidade ao trabalho de regeneração.
Ocean Alive
Cooperativa Para a Educação Criativa Marinha, Setúbal
+351 917 915 595
www.ocean-alive.org
info@ocean-alive.org
Instagram / @ocean_alive_org
Facebook / @ocean.alive.org