Cidália Nunes

Peixe e Marisco de Rio

“Isto começou quando eu nasci. Nós nascemos no mar e somos criados no mar”

Possanco
7580-680 Comporta


Texto de Cláudia Lima Carvalho
Fotografias de Arlindo Camacho

Em 70 anos de vida, poucos terão sido os dias em que Cidália Nunes não pôs os pés no mar. Não quer, nem ousa viver de outra maneira, mesmo que o corpo já comece a acusar cansaço. “Isto começou quando eu nasci. Nós nascemos no mar e somos criados no mar”, diz a pescadora e mariscadora com a mesma naturalidade com que seguiu a arte dos pais. O caranguejo tornou-se o seu ofício. Não apenas um trabalho, mas uma espécie de mapa do ecossistema local. É assim há 50 anos. É com ele que os pescadores apanham polvo, robalo, dourada, pargo ou sargo.

O ritmo do trabalho está intimamente ligado às marés. Ao mar pode ir até duas vezes por dia. “Há alturas em que não conseguimos levantar tudo. A maré vaza muito rápido. Só podemos trabalhar com maré cheia”, explica, sem esconder como esta é uma actividade exigente para o corpo, um trabalho físico e artesanal, feito com cuidado e experiência.

Quando recua ao início de tudo, recorda-se como as pradarias do Estuário do Sado eram ricas e a apanha da ostra um negócio rentável. “Era onde se trabalhava mais. Na altura, pescadores e mariscadores eram às centenas”, comenta. Hoje, já não é bem assim. No Possanco, onde trabalha com o seu marido Cândido – costumam sair os dois para o mar –, estão praticamente sozinhos. Na Carrasqueira, não muito longe dali, já não são nem duas dezenas.

“A nova geração não tem interesse no mar, não tem interesse nos pescadores”, lamenta Cidália. “Eu tento passar o meu conhecimento, mas não tenho a quem”, suspira, com o sonho de que alguém a possa ouvir e perceber o que está verdadeiramente em causa. “É que não há mais ninguém para seguir”, defende, admitindo a instabilidade da profissão. “Um pescador tanto pode apanhar muito, como pode apanhar pouco. E sobrevive-se com aquilo que se apanha. Por exemplo, houve uma altura em que não havia caranguejo. Não sabíamos onde é que eles se metiam. E há dois anos começou a haver caranguejo em abundância. Nós ficámos pasmados. Onde é que eles estavam?”

Depois de alguns anos a trabalhar com a Ocean Alive, uma organização ambiental dedicada à protecção das florestas marinhas, com foco no estuário do Sado, Cidália entende hoje que a forma como se trabalha no mar traz consequências: “Temos outro ponto de vista. Antigamente, não protegíamos nada. Tudo quanto era lixo, ia fora porque achávamos que o fundo do mar era enorme. Nunca pensávamos, nem eu, nem ninguém, que estávamos a prejudicar a vida marinha.” Cuidar do mar significa, além de preservar espécies, garantir também que há caranguejo para apanhar. “Ajuda e muito no nosso trabalho”, afirma. 

Cidália fornece os seus caranguejos a pescadores e intermediários, como Ismael Nunes, na Carrasqueira.