Entre Douro e Minho

Espigueiros. Granito. Serra. Rio. 

Façam-se a viagem entre o Atlântico e Trás-os-Montes. Desde as imponentes elevações terrestres formadas por enormes afloramentos graníticos. Dos espigueiros, feitos em granito. Do bosque embelezado por carvalhos, ulmeiros, freixos, choupos, bétulas, aveleiras. Das serranias do Gerês, no Alto Minho, do Marão, localizada na transição entre o Douro Litoral e Trás-os-Montes, e de Montemuro, situada na passagem para a Beira Alta. Dos distritos de Viana do Castelo, Braga e Porto. Desde Melgaço, o concelho mais setentrional de Portugal Continental, a Santa Maria da Feira, do lado Sul do Rio Douro. 

Os vales profundos, cravados nas proeminentes formações graníticas, os planaltos de Castro Laboreiro, em Melgaço, e de Mourela, as espécies endémicas raras e a flora dominante, como o lobo-ibérico ou a cabra-montês, resumem a imensidão que é o Parque Nacional Peneda Gerês. Com mais de 69.500 hectares, este enorme recinto da natureza abrange a Serra da Peneda, no distrito de Viana do Castelo, com o seu Santuário de Nossa Senhora da Peneda, onde a igreja local, de estilo Barroco, acessível pela Escadaria das Virtudes, abre caminho à via sacra e, por sua vez, à Porta do Sol. O cenário é, muitas vezes, povoado de bovinos da raça Cachena da Peneda DOP, muito comum em zonas da alta montanha e que geralmente pastam em tão bucólico pano de fundo. 

A mesma obra-prima natural abarca a Serra do Soajo. Paisagem luxuriante, que preenche de belo os concelhos de Arcos de Valdevez, Melgaço e Monção, com a aldeia homónima, do pão-de-ló, dos espigueiros em pedra e a beleza rara do Poço Negro, cascata esculpida pelo belo e ladeada de uma envolvente singular. A Serra da Amarela, em Terras de Bouro, complementa o idílico ambiente serrano, com a Serra do Gerês ali ao lado, onde o património arqueológico se mantém vivo e a arquitectura eleva o misticismo perpetuado desde tempos tão distantes. 

Sobre a ancestralidade, é de realçar Arcos de Valdevez, com as suas Figuras Rupestres do Gião, a Aldeia de Sistelo ou o Paço de Giela, Monumento Nacional relacionado com a formação da Terra de Valdevez, acrescentando-se o Barroco, estilo com roteiro próprio no concelho, onde o cozido à Moda dos Arcos, a carne da Cachena ou os Charutos dos Arcos permanecem nos compêndios da culinária. E porque à mesa, a harmonização vínica é levada a sério, nada melhor do que acompanhar a refeição com vinho produzido a partir da casta Alvarinho, muito comum em Monção e Melgaço, dois concelhos que fazem fronteira com a Galiza, em Espanha.

O mesmo critério geográfico é repartido com Valença e a sua emblemática fortaleza homónima, do século XVII, a ponte rodo-ferroviária, elo de ligação entre a cidade e Tui, no país vizinho, e a ecopista do Rio Minho, que encaminha os visitantes a descobrir fauna e flora locais. Não se vá embora sem comer valencianos nem os pericos dos santos, fruto outonal de Valença. Parta à descoberta da Paisagem Protegida de Corno de Bico, em Chã de Lamas, e dos povoados castrejos, no concelho de Paredes de Coura. Explore Ponte de Lima, berço dos solares minhotos, e visite minuciosamente o centro histórico de Ponte da Barca.

De dentro para fora, com o mar o Oceano Atlântico a mostrar a sua altivez, eis Caminha. Vila raiana, localizada na região do Alto Minho, com o Rio Minho a Norte, tem na sazonalidade do mar e do rio a gastronomia de excelência. Lampreia e sável são exemplos maiores na zona ribeirinha e no litoral, enquanto os enchidos e o cabrito conferem o receituário de freguesias do interior. 

Viana do Castelo, com a sua foz do Rio Lima, tem no Monte de Santa Luzia o seu cartão de visita, graças à admirável vista para o mar, para o casario, para a envolvente.O vínculo ao imenso Atlântico é indissociável à pesca do bacalhau, protagonista em duas mãos cheias de pratos neste concelho. Sopa de peixe ou chorinha, a caldeirada de peixe, o arroz pica no chão e o arroz de sarabulho, o cabrito assado, confirmam o respeito pelo que dá o mar e a terra. Sem esquecer os trajes regionais nem a arte sacra, aliadas a festas e romarias, ou os bordados regionais.

Em direção ao distrito de Braga, comece pela vila piscatória de Esposende, onde o mar é tudo e, em contrapartida, tem as Carnes Jacinto, como referência de produtos DOP – Arouquesa, a Barrosã, a Cachena, a Galega Minhota, a Marinhôa e a Mirandesa –, em Apúlia! Em Barcelos, valem os passeios pelo Jardim das Barrocas, carregado pelo romantismo e pelo coloridos das flores, e, em Amares, com os rios Cávado e Homem a delimitar o concelho, saiba mais sobre os mosteiros, as pontes e as termas de Caldeias. Já em Vieira do Minho, mergulhe nas águas da Praia do Boco, visite a Serra da Cabreira e renda-se à tradição gastronómica, com o arroz de cabidela, a vitela Barrosã, o cabrito ou anho. 

Conheça a história da filigrana, no Museu do Ouro, no lugar de Aldeia de Baixo, freguesia de Travassos, no concelho de Póvoa de Lanhoso, e o seu castelo, faça uma investida pela floresta da Cabreira, em Cabeceiras de Basto, e descubra o Jardim do Calvário, em Fafe, mas não se dispensa sem antes saborear a vitela assada à moda de Fafe. Vá até à cidade-berço de Portugal e percorra as ruas com história do centro urbano, que é Património Mundial, delicie-se com o bucho recheado e a torta de Guimarães, visite o Palácio Vila Flor e o Centro Internacional das Artes José de Guimarães. Mais abaixo, está Vizela, com o seu imperdível Bolinhol, e Vila Nova de Famalicão confere a fidelidade à cozinha minhota, com os rojões, as papas de sarrabulho ou a vitela assada, além dos famalicences, para comer calmamente no final da refeição. Depois há Braga, capital de distrito, com o imponente Santuário do Bom Jesus do Monte e duas mãos cheias de edifícios em estilo Barroco.

Pelo distrito do Porto, está na ordem do dia a famosa camisola Poveira, de Póvoa do Varzim, mas também a renda de bilros, de Vila do Conde, e a cestaria de Lousada. Na gastronomia, é de enaltecer legados deixados por quem sabe bem fazer, como os jesuítas e os limonetes, de Santo Tirso, as cavacas e as lérias, de Felgueiras, as brisas, de Amarante, cidade sobranceira ao Rio Tâmega e do Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, instalado num antigo convento, adjacente à Igreja de São Gonçalo, ou os biscoitos da Maia, cuja forma evoca, ora a espada, ora o escudo. No alinhamento da gastronomia, é de evidenciar o capão à moda de Freamunde, em Paços de Ferreira

O Castro de Alvarelhos, de Trofa, e o Castro de Monte Mozinho, a “Cidade Morta” de Penafiel, localizada nas freguesias de Galegos e Oldrões, são ponto de encontro de historiadores, enquanto Matosinhos é considerada a cidade da arquitectura contemporânea, com nomes sonantes na cartilha, como Álvaro Siza Vieira, Eduardo Souto Moura ou Fernando Távora. Siga a Rota do Românico e a Rota do Anho Assado com Arroz de Forno, em Marco de Canaveses, e junte as Endoenças, evento religioso, que decorre ao longo do Rio Tâmega. As visitas são extensíveis à Fundação Eça de Queiroz, na Quinta de Tormes, em Baião, onde o Restaurante Tormes serve o célebre frango alourado acompanhado de arroz de favas, que o ilustre escritor português refere no seu livro “A Cidade e as Serras”. 

Contam-se, ainda, as festividades, momentos culturais intrinsecamente ligados ao ser humano. A Festa do Senhor de Matosinhos ou a Festa de Nossa Senhora do Chão, em Valongo, ou as Festas do Divino Salvador, em Paredes. Acrescente-se a minúcia associada à arte da filigrana, em Gondomar, a Capital da Ourivesaria, uma herança mantida por família, pessoas dedicadas a esta produção artesanal, que está para além do tempo.

E eis o Porto. A Cidade Invicta, com o seu casario, as suas igrejas e o seu estilo próprio na História de Portugal, tem o Douro a seus pés. Nele navegavam, em tempos, os barcos rabelos, que transportavam as barricas da Vinho do Porto, o generoso, que envelhecia – e ainda repousa – em tonéis em madeira, nas caves das respetivas casas durienses, instaladas no outro lado do rio, em Vila Nova de Gaia, a guardiã de tão apreciado tesouro indissociável a tanta gente.